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Estados e Municípios Buscam Alívio Contra Crise Financeira

Governadores e prefeitos conseguiram ontem a primeira vitória na mobilização contra a crise financeira. Diante da perda de receitas e das dificuldades de caixa por causa do desaquecimento da atividade econômica, eles pressionaram o Congresso a acelerar a tramitação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios. E depois de várias semanas de baixa produção em decorrência da sucessão de escândalos envolvendo a estrutura do Legislativo, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou ontem, por unanimidade, a PEC.

O lobby dos estados e municípios também está voltado para o Palácio do Planalto e terá de ser enfrentado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos próximos dias, quando retornar de sua viagem ao exterior. Alegando perdas de receitas – principalmente pela queda no repasse dos recursos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), formado com parte do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e Imposto de Renda, ambos arrecadados pela União -, as prefeituras estão em pé de guerra, como definem os analistas da Santa Fé Idéias.

“Setores da oposição pensam na criação de um fundo de emergência para os municípios e em mudanças na medida provisória que refinancia débitos das prefeituras com o Instituto Nacional do Seguro Social”, informam os analistas da Santa Fé Idéias, que acompanham o cenário político na capital federal.

Política

As queixas estão ganhando uma dimensão ainda maior por causa da conotação política às mobilizações. Ontem, prefeitos ligados ao Democratas (DEM), ao PSDB e ao PPS realizaram em Brasília o Encontro Nacional pela Sobrevivência dos Municípios. Outro movimento está previsto para acontecer na capital federal no próximo dia 7, quando será discutida a situação dos municípios e a crise econômica.

O líder do DEM, deputado Ronaldo Caiado (GO), afirmou que o partido vai apresentar cinco emendas à Medida Provisória 459, que cria o Programa Habitacional Minha Casa, Minha Vida, do governo federal. As emendas propõem, entre outros pontos, a declaração de uma moratória de seis meses das dívidas dos municípios com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), para que ela não seja descontada do FPM.

As sugestões foram aprovadas ontem durante o encontro, realizado na Câmara, com prefeitos de vários estados do país. Entre as emendas, o DEM quer que os recursos do Fundo Soberano do Brasil sejam repassados a um fundo fiscal de investimentos, para serem utilizados na compensação das perdas dos municípios nos últimos meses, com validade até o fim da crise.

“O que está acontecendo com os municípios é uma calamidade pública”, acrescentou o presidente da União Nacional dos Vereadores, Eliezer Fernandes.

Um estudo da Confederação, levando em conta medidas adotadas a partir de janeiro e até essa segunda-feira, apontam para uma perda de R$ 2,1 bilhões no FPM. Na avaliação da entidade, com base em informações da Secretaria da Receita Federal, o governo federal abriu mão de R$ 8,9 bilhões em receitas, com mudanças no IPI, correção da tabela do Imposto de Renda e outras medidas de incentivo ao setor produtivo.

De acordo com levantamento da CNM, desse total a União renuncia a R$ 4,2 bilhões, enquanto estados e municípios deixam de receber R$ 4,7 bilhões. São repasses para o FPM, para o Fundo de Participação dos Estados (FPE) e para o Fundo de Compensação pela Exportação de Produtos Industrializados (FPEX).

PEC dos precatórios facilita regras para o setor público

A principal alteração da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 12/2006, em relação às regras vigentes, é a redução do comprometimento financeiro de estados e municípios com o pagamento de precatórios. A PEC prevê que no máximo 1,5% da receita líquida de estados, dos municípios e da União seja destinada ao pagamento das dívidas que as três instâncias de governo têm com cidadãos. No caso dos estados, o percentual vai variar de 0,6% a 2% da receita líquida e, para municípios, de 0,6% a 1,5%.

Os valores a serem pagos deverão ser divididos em duas formas: 40% serão pagos diretamente para quem já está na fila, priorizando os precatórios menores e as pessoas com mais de 60 anos.

Os outros 60% deverão ser pagos na forma de leilão de deságio, que funciona como uma forma de negociação em que o credor aceita deixar de receber o valor total que a Justiça havia determinado como dívida do Estado.

A ideia era votar ainda ontem à noite a PEC 12/2006 no plenário da Casa, abreviando o período regimental de cinco sessões entre a votação na CCJ e no plenário. A relatora da PEC, senadora Kátia Abreu (DEM-TO) – que substituiu semana passada o senador Valdir Raupp (PMDB-RO) na relatoria -, defendeu este formato. Ela alega que o credor não sairá prejudicado, já que a adesão ao leilão não é obrigatória. “Ele só entra no leilão se quiser, se achar que tem um valor tão alto para receber que vale a pena fazer um abatimento”, afirmou.

Ainda de acordo com a Kátia Abreu, os precatórios devidos somam cerca de R$ 100 bilhões. A relatora negou que os senadores não tenham pensado nos contribuintes que aguardam para receber os valores. “O projeto vai garantir que o pagamento seja efetuado de verdade. O pagamento de precatórios hoje é uma ficção, com percentual baixíssimo de adimplência [por parte do Estado]”, disse.

De acordo com a última informação oficial sobre as dívidas dos estados com precatórios, divulgada pelo Supremo Tribunal Federal e com base em 2005, encabeçam a lista São Paulo (R$ 13,6 bilhões), Espírito Santo (R$ 7 bilhões) e Minas Gerais (R$ 5,3 bilhões), governados pela oposição.

Para advogado, mudanças desrespeitam Constituição

O substitutivo à PEC 12, em votação no Senado, representa um avanço e um retrocesso, na opinião do advogado Nelson Lacerda, advogado da Lacerda & Lacerda Advogados. “O texto avança ao permitir a compensação tributária. Além disso o substitutivo, cria punições pela não inclusão no orçamento e prevê o sequestro de verba em caso de descumprimento. Dá preferência aos precatórios alimentícios e mantém a regra do artigo 100 da Constituição Federal”, argumenta.

Entretanto, pela proposta, somente é permitida a compensação em relação a débitos do credor original,” quando deveria liberar para terceiros cessionários também”. Segundo o advogado, este é um dos retrocessos. “A PEC retrocede também quando reduz o percentual de destinação de verba para pagamento dos precatórios, eternizando o calote caso não seja liberada a compensação plena”, destaca.

“Por fim, a manutenção dos leilões de deságio é uma afronta, a menos que se libere efetivamente a compensação plena. Neste caso haveria valorização dos precatórios”, critica.

Já o sócio do Viseu, Cunha & Oricchio Advogados, Gustavo Viseu, é ainda mais duro na crítica às mudanças feitas pelos congressistas às regras atuais para pagamento de dívidas oriundas de precatórios. “A aprovação da PEC 12 pela CCJ evidencia, mais uma vez, que neste país os interesses dos governantes prevalecem sobre os dos contribuintes”, ressalta.

Ainda de acordo com o advogado, “este é mais um capítulo triste da história política do Brasil”. “Estamos às vésperas do terceiro calote sobre os credores de precatórios. Tivemos uma moratória em 1988, uma em 2000, e agora, a mais absurda das propostas está prestes a ser aprovada”, afirma.

Na opinião dele, a PEC 12, como apresentada no relatório aprovado ontem pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, “é evidentemente inconstitucional, pois contém uma série de violações a princípios fundamentais da Constituição, sobretudo o da moralidade pública”.

Segundo Viseu, “nada garante que a PEC resolverá o problema dos precatórios. Pelo contrário, tudo indica que o quadro se agravará, o que pode ser constatado pelo resultado lamentável das moratórias anteriores. O resultado será a perpetuação dos precatórios. Em alguns estados e municipios, nossos calculos indicam que não seria possível quitar os atuais precatórios pendentes em menos de 100 anos”.

Ele propõe colocar um fim “no regime de impunidade dos agentes políticos. É preciso fazer cumprir a Constituição e as leis em vigor e assegurar o regular funcionamento das instituições públicas”.

Calote institucionalizado atinge todos os governos

Precatório é uma ordem judicial irrecorrível para que o governo pague a dívida ao credor. Teoricamente, este pagamento deveria ser imediato. Mas na prática não é isso que ocorre. O que se vê é um acúmulo de dívidas em todos os estados e municípios e nem mesmo o governo federal escapa deste chamado calote institucionalizado. O problema é ainda mais grave quando se trata dos precatórios alimentares (aqueles decorrentes de dívidas trabalhistas). A estimativa, segundo o Movimento dos Advogados em Defesa dos Credores Alimentares (Madeca), é que cerca de 60 mil já morreram antes de receber seus créditos, isso só no estado de São Paulo, que tem atualmente 480 mil pessoas esperando para receber precatórios alimentares. Além disso, ainda de acordo com dados da entidade, o estado paulista está pagando precatórios vencidos em 1998.

Apesar dos precatórios alimentares representarem quase 80% do total da dívida paulista com essas ordens judiciais – São Paulo deve R$ 16,3 bilhões em precatórios, sendo que R$ 11,6 bilhões são alimentares – a prioridade de pagamento é dos não-alimentares. Isso porque pode ocorrer o sequestro de contas do estado, o que não acontece com os alimentares.

Essa demora no pagamento, cerca de 10 anos em média, tem levado muitas pessoas a venderem seus títulos com deságio que pode chegar a até 80%. Empresas compram precatórios com desconto e pagam dívidas tributárias. E até fundos estrangeiros estão recorrendo a precatórios como um investimento de longo prazo.

Gazeta Mercantil, 2/4/2009 – BRASIL, A9

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